ORIENTAÇÃO PRÁTICA – 56/299/JAN/2019
CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL – DISCRICIONARIEDADE NA ESCOLHA DO CONTRATADO E DESNECESSIDADE DE PROCEDIMENTO FORMAL NOS MOLDES DA LICITAÇÃO
Esta Orientação foi elaborada pela Equipe Técnica e revisada pela Supervisão do Serviço de Orientação da Zênite.
Questão apresentada à Equipe de Consultores da Zênite:
"A Administração iniciou procedimento de contratação emergencial de terceirização de mão de obra. Foram solicitadas propostas a diversas empresas do ramo, informando os documentos que deveriam ser apresentados. Ao término do prazo para recebimento das propostas, foi constatado que a empresa com menor preço apresentou a proposta incompleta, sem a inclusão da planilha analítica dos serviços, mas apenas da planilha-resumo dos serviços. É possível solicitar a complementação da proposta, considerando que é a de menor preço? Tal procedimento, se adotado, configura violação à isonomia e ao disposto no art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993? É aplicável o disposto no art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, apesar de se tratar de uma dispensa de licitação? Sendo possível a complementação da documentação e havendo erros na planilha analítica, a proposta deve ser desconsiderada ou devem ser realizadas diligências para saneamento? As propostas e o processo de dispensa são de acesso restrito até a conclusão das análises?"
A resposta à questão requer a compreensão dos pressupostos de cabimento da contratação direta fundamentada no inc. IV do art. 24 da Lei de Licitações:
Art. 24. [...]
[...]
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;
Essa hipótese de dispensa tem como finalidade viabilizar a adoção de medidas imediatas pela Administração diante de uma situação emergencial ou calamitosa, cujo atendimento não possa aguardar a conclusão da licitação para obter a solução necessária.
Sobre os pressupostos para a configuração da situação que autoriza a contratação emergencial, o TCU já decidiu:
[...] além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/1993, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei:
[...]
a.2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas;
a.3) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso;
a.4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado;
[...]
11. Cumpre registrar que a jurisprudência desta Corte é farta em exemplos de julgados que acompanham essa linha. A ideia é evitar que o permissivo legal para contratação sem o pertinente certame licitatório, com fundamento em situações de urgência que requeiram da Administração solução célere e eficaz a fim de eliminar o quadro de emergencialidade, seja utilizado de maneira ingente e ilegítima. (TCU, Acórdão nº 1.604/2008, Plenário, grifamos.)
Cumpridos esses pressupostos, a Administração deve selecionar o particular que prestará os serviços durante o período necessário à formalização do novo contrato.
Por se tratar de contratação direta, a instrução do processo deve observar o previsto no art. 26, parágrafo único, da Lei de Licitações, o que envolve, basicamente, a demonstração da situação de emergência, a justificativa do preço e a motivação da escolha do futuro contratado.
Para motivar os preços a serem praticados e o particular a ser contratado, a Administração deve, como regra, realizar ampla pesquisa de mercado junto a potenciais fornecedores. Essa orientação é confirmada a partir de trecho de acórdão do TCU, que apontou ser "necessário consultar o maior número possível de interessados em contratações de caráter emergencial em atenção aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, que devem reger as atividades do administrador público" (TCU, Acórdão nº 267/2003, 1ª Câmara, grifamos).
Posteriormente, em outro acórdão, o TCU seguiu a mesma linha, ao alertar que,
quando da realização de dispensa de licitação nos termos do art. 24, inciso IV, da Lei nº 8666/1993, é indispensável a consulta ao maior número possível de fornecedores ou executantes para o integral atendimento dos incisos II e III do parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/93, a fim de que efetivamente possa ser selecionada a proposta mais vantajosa para a Administração; [...] (TCU, Acórdão nº 955/2011, Plenário, grifamos.)
Seguindo a mesma linha, a Zênite já manifestou seu posicionamento em Pergunta e Resposta veiculada na Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, cujos trechos que interessam seguem transcritos:
Independentemente do procedimento que antecede a contratação (licitação ou contratação direta), para cada necessidade a Administração deve especificar os requisitos mínimos que a solução a ser oferecida pelos interessados deverá atender para satisfazer ao interesse público. De igual modo, também deverão ser definidos os requisitos mínimos de aptidão que o futuro contratado deverá preencher para contratar com a Administração.
Feito isso, de todas as propostas recebidas, apenas serão consideradas aquelas cuja solução ofertada atenda às especificações mínimas e que o proponente demonstre possuir os requisitos mínimos de aptidão. Todas as propostas que se encontrem nessa condição estarão em situação de igualdade e aptas a satisfazer ao interesse público. Com base nisso, a Administração selecionará, entre elas, a de menor preço. (Revista Zênite ILC, 2008, p. 718, grifamos.)
Como se pode perceber, a regra é que, mesmo na contratação direta (inclusive em caso emergencial), a Administração deve realizar ampla pesquisa de mercado para identificar particulares capacitados para atender à sua demanda mediante o oferecimento de propostas vantajosas à luz dos valores usualmente praticados no segmento.
Isso não significa que a Administração deva instituir procedimento formal e burocrático nos mesmos moldes da licitação. A ideia que permeia a definição de hipóteses que afastam o dever de licitar é justamente suprimir o ônus de desenvolver procedimento com rito equivalente ao da licitação.
Essa afirmação ganha ainda mais relevância quando se está diante de situação fática que atrai a hipótese de dispensa de licitação prevista no inc. IV do art. 24 – cuja característica primordial é a impossibilidade de aguardar o trâmite ordinário de uma licitação para satisfazer a necessidade pública emergente/urgente. Nesse passo, quando se tratar de contratação direta emergencial, é necessário otimizar o procedimento prévio à seleção do futuro contratado.
Acerca da análise a ser feita, válidas são as lições de Marçal Justen Filho:
[...] o risco de consumação de danos irreparáveis nunca apresentará dimensão temporal idêntica. Em certas hipóteses, a Administração disporá de alguns dias para promover a contratação. Em outros casos, a contratação deverá ocorrer no prazo de horas (se não minutos). A avaliação das formalidades cabíveis para produzir a contratação deverá tomar em vista essas circunstâncias. Quanto maior a extensão temporal que dispuser a Administração, tanto mais extensas e cuidadosas deverão ser as formalidades da Administração para evitar contratação nociva e assegurar a mais ampla participação possível de interessados. Isso significa que, dispondo de alguns dias para formalizar a avença, a Administração deve adotar um procedimento aberto a todos os interessados, divulgado pelos meios disponíveis o interesse em realizar a contratação, inclusive para o fim de obter propostas diversas. Mas se pode imaginar situação de emergência de tal ordem que todas as formalidades sejam impossíveis de serem atendidas. Nesses casos, a situação pode beirar a própria figura da requisição de bens. (JUSTEN FILHO, 2014, p. 415, grifamos.)
O TCU já admitiu a possibilidade de, em contratação emergencial, selecionar particular apto a atender à demanda e, posteriormente, juntar documentação comprovando a justificativa do preço em relação ao mercado:
Em inspeção realizada pelo TCU, a Unidade Técnica detectou indícios de irregularidade consistente em aparente direcionamento de contratação de determinada empresa por dispensa de licitação, com base em situação emergencial. No caso, restou apurado que “em 22 processos de dispensa de licitação, de um total de 65, a definição da empresa contratada teria ocorrido anteriormente à apresentação das propostas apresentadas para a orçamentação do objeto”. Analisando a situação, o Relator, divergindo da Unidade Técnica, entendeu que, por se tratar contratação direta na qual se defere ao agente público a possibilidade de escolha discricionária da contratada que melhor atenda à necessidade da Administração, não se pode exigir que a escolha recaia sobre a proposta de menor valor, daí por que não haveria qualquer irregularidade na juntada ao processo de outras propostas de preço após a escolha da contratada, apenas com a finalidade de evidenciar a compatibilidade dos preços da proposta escolhida com aqueles praticados no mercado. Nesse sentido, voto proferido pelo Relator nos seguintes termos: “11. É certo que a situação motivadora da contratação direta deve ser devidamente evidenciada, a escolha da contratada deve ser justificada e os preços praticados devem ser os de mercado, sempre de acordo com o disposto nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993. 12. Nessa linha, a existência de outras propostas de preços, além daquela contratada, possui por objetivo justificar o preço a ser contratado. Não há que falar, como aponta a unidade técnica, na realização de um procedimento de disputa para se averiguar a proposta mais vantajosa. Caso assim fosse, não se estaria falando de dispensa de licitação, mas de licitação propriamente dita. [...] Considerando que a regularidade dos preços praticados restou confirmada por outros elementos constantes nos autos, a existência das propostas de preços assumiu um caráter apenas secundário no processo de dispensa. Em outras palavras, mesmo se inexistissem essas propostas, essas contratações diretas poderiam ser consideradas lícitas em relação ao preço praticado”. (Grifamos.) No mesmo sentido: Acórdão nº 406/2011, Plenário. (TCU, Acórdão nº 1.157/2013, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, DOU de 21.05.2013.) (MENDES, 2018, grifamos.)
Essas considerações demonstram que, na contratação emergencial, não há imposição de observância de processo formal relativo ao planejamento, voltado à análise das propostas passíveis de ser contratadas, tal como se verifica nas licitações.
Como as contratações diretas não se submetem ao procedimento formal das licitações e se reportam à discricionariedade na escolha do futuro contratado – salvo situações pontuais em que há normatização sobre o assunto, tal como a cotação eletrônica para dispensa em razão do valor –, a Administração não está obrigada a promover atos de julgamento das propostas e da habilitação, com abertura de oportunidade para etapa de saneamento ou de recursos.
Aliás, a Administração não estaria vinculada à contratação de um dos particulares que encaminharam a proposta até a data fixada, de modo que, havendo outro prestador de serviço apto a executar os serviços por um valor mais vantajoso, sua escolha seria legítima.
Sob o enfoque tratado até o presente momento, a Administração deve avaliar o caso concreto e verificar se há tempo suficiente para solicitar que o particular que apresentou o menor preço corrija os vícios de sua proposta ou se a necessidade pública demanda solução imediata, incompatível com a realização de diligência.
Se houver tempo, nada impede a Administração de solicitar ao particular o envio da documentação pertinente à comprovação da exequibilidade dos preços ofertados e dar prosseguimento à contratação após verificar o atendimento dos demais requisitos exigidos.
Tal conduta não implica ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que, na forma já explicitada, os atos de planejamento das contratações diretas não assumem a mesma natureza do processo licitatório.
Sobre a liberdade de atuação nas contratações emergenciais, cita-se como exemplo a seguinte manifestação do Tribunal de Justiça do Amapá:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA. CONTRATO EMERGENCIAL. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ATO DISCRICIONÁRIO. LEGALIDADE. QUALIFICAÇÃO ECONOMICO-FINANCEIRA. DEFINIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO. COMPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INABILITAÇAO. ANULAÇÃO. MOTIVAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
1) Na contratação emergencial o administrador tem liberdade para atuar de acordo com juízo de conveniência e oportunidade em benefício da administração; a ele incumbe avaliar os requisitos para a contratação, não devendo o magistrado sobrepujar-se ao administrador realizando atos de governança.
[...]
[Voto]
Ora, a contratação direta em caráter emergencial da empresa [...] – dispensa de licitação - para fazer a segurança de imóveis vinculados à [...], é ato discricionário da administração que, avaliando a necessidade e utilidade da contratação, busca evitar danos inversos ao patrimônio público pelo decurso do tempo para realização ou conclusão do procedimento licitatório.
Na contratação emergencial o administrador tem liberdade para atuar de acordo com juízo de conveniência e oportunidade em benefício da administração. A ele incumbe avaliar os requisitos para a contratação, não devendo o magistrado sobrepujar-se ao administrador realizando atos de governança.
No presente caso, a contratação da empresa [...] teve alicerce na homologação da justificativa 001/08-CPL-SEED, conforme DOE que circulou em 25/01/2008, f. 169, não havendo mácula procedimental a ser invalidada pelo judiciário. (TJ/AP, Mandado de Segurança nº 1.185/2008, j. em 22.10.2008, grifamos.)
CONCLUSÕES
1) Considerando que o procedimento prévio à celebração de contratos por dispensa de licitação não se submete ao mesmo rito e rigor da uma licitação, consideramos possível que a Administração solicite que a empresa que ofereceu o menor preço junte os documentos pertinentes à comprovação da exequibilidade de seu preço. Não se trata de incidente pautado no art. 43, § 3º, da Lei de Licitações, uma vez que não há, no procedimento de contratação direta, etapas de julgamento e recursais nos moldes de uma licitação.
2) Por haver discricionariedade da Administração na escolha do futuro contratado, não configura ofensa à isonomia oferecer a um dos particulares consultados a oportunidade de complementar a documentação.
3) A oportunidade para que o particular corrija os vícios em sua documentação deve considerar a finalidade do procedimento de contratação direta em andamento: se não houver tempo suficiente para essas medidas, a Administração deve desconsiderar a proposta e prosseguir a análise com relação àquelas que aparentemente atendem aos critérios mínimos e indispensáveis fixados; por outro lado, havendo tempo hábil, poderá a Administração conferir oportunidade para que o particular corrija os vícios verificados.
4) Por não se tratar de procedimento em que há disputa real entre os interessados, não se aplica o mesmo rigor quanto ao sigilo das propostas, uma vez que a finalidade dessa disposição é evitar o conluio nas licitações.
Salvo melhor juízo, essa é a orientação da Zênite, de caráter opinativo e orientativo, elaborada de acordo com os subsídios fornecidos pela Consulente.
REFERÊNCIAS
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
MENDES, Renato Geraldo. LeiAnotada.com. Lei nº 8.666/1993, nota ao art. 26, parágrafo único, inc. III, categoria Tribunais de Contas. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2018.
Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, n. 173, p. 718, jul. 2008, seção Perguntas e Respostas.
Como citar este texto:
CONTRATAÇÃO emergencial – Discricionariedade na escolha do contratado e desnecessidade de procedimento formal nos moldes da licitação. Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, Curitiba: Zênite, n. 299, p. 56, jan. 2019, seção Orientação Prática.